“As pessoas com má qualidade de sono têm um maior risco de perturbações ansiosas e depressivas”

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A qualidade do sono tem um impacto profundo na saúde do organismo em geral, destacando-se a sua influência no desenvolvimento de perturbações da saúde mental, nomeadamente ansiedade e depressão. Não só a qualidade do sono afeta a saúde mental, como a ausência de um sono reparador, na quantidade e qualidade necessárias, poderá dificultar uma resposta positiva ao tratamento deste tipo de doenças. No âmbito do Dia Mundial do Sono, que se assinala a 15 de março, a Prof.ª Dr.ª Marta Gonçalves, médica psiquiatra e coordenadora do Centro de Medicina de Sono do Hospital CUF Porto, partilhou os principais desafios que as pessoas enfrentam em relação ao sono, os sinais de um distúrbio de sono e dicas de como melhorar a qualidade deste hábito.

Qual é a importância de consciencializar as pessoas sobre a importância do sono para a saúde mental, especialmente no Dia Mundial do Sono?

Marta Gonçalves (MG) – Considero de extrema importância a consciencialização das pessoas sobre a importância do sono, pois um bom sono é uma condição necessária para uma boa saúde de uma forma geral, nomeadamente uma boa saúde mental.

Como é que a qualidade do sono afeta a saúde mental das pessoas?

MG – Tanto a qualidade do sono afeta a saúde mental como a saúde mental afeta a qualidade de sono, existindo assim uma bidirecionalidade entre ambas. As pessoas com insónia ou má qualidade de sono têm um maior risco de perturbações ansiosas e depressivas e, por outro lado, as perturbações ansiosas e depressivas são uma das principais causas de insónia e/ou má qualidade de sono.

Quais são os distúrbios do sono mais comuns que estão associados a problemas de saúde mental?

MG – Os distúrbios de sono mais frequentemente associados a problemas de saúde mental são as insónias. Podendo estas ser iniciais, intermédias ou terminais. Geralmente a insónia inicial está mais associada às perturbações de ansiedade e as insónias intermédias e terminais mais associadas às perturbações depressivas.

Como é que os distúrbios do sono podem impactar o tratamento e a gestão de condições de saúde mental?

MG – Os distúrbios de sono, quando não devidamente tratados, poderão ter um notório impacto no tratamento de condições de saúde mental. A ausência de um sono reparador, na quantidade e com a qualidade necessárias, poderá dificultar em muito uma resposta positiva ao tratamento de uma doença mental.

Quais são os principais desafios que as pessoas enfrentam em relação ao sono atualmente?

MG – Eu diria que os principais desafios da nossa sociedade em relação ao sono são, antes de mais, ter tempo para dormir e não deixar que as várias situações do quotidiano (profissionais ou outras) interfiram nesse tempo. Geralmente quando o tempo escasseia, são as horas de sono as primeiras a ser prejudicadas e a privação, muitas vezes crónica do sono, a ser uma constante. Por outro lado, os níveis de stress diário a que a maioria das pessoas está sujeita numa sociedade cada vez mais competitiva e que funciona 24/24h, não favorece em nada a qualidade do sono. Um forte desafio nos dias de hoje é o crescente recurso ao mundo digital, nomeadamente quando este acontece em horários noturnos.

Quais são os sinais de que alguém pode estar a sofrer de um distúrbio do sono e quando é que deve procurar ajuda profissional?

MG – Poderá haver vários sinais de que estamos perante um distúrbio de sono a necessitar de ajuda profissional. Exemplos disso são: quando, apesar de dormirmos as horas necessárias, não acordarmos com a sensação de um sono reparador e sentimos cansaço e/ou sonolência durante o dia; quando demoramos muito a adormecer ou acordamos a meio da noite com dificuldade em readormecer; quando temos muita dificuldade em adormecer e acordar às horas habituais; quando temos inquietação nas pernas que não nos deixa adormecer; quando ressonamos muito, levantamo-nos várias vezes durante a noite para urinar, temos sonolência durante o dia; e quando temos comportamentos estranhos durante o sono. Existem atualmente consultas especificas de sono que o poderão ajudar a diagnosticar e tratar o problema. Aliás, desde há alguns anos que foi criada a competência em medicina de sono pela Ordem dos Médicos, havendo já no nosso país várias profissionais com essa competência, que poderemos consultar.

Como é que a qualidade do sono das pessoas pode melhorar?

MG – Existem regras gerais a adotar para uma melhor qualidade de sono como por exemplo: deitarmo-nos apenas quando temos sono, não forçando o adormecer, uma vez que ficar na cama muito tempo sem adormecer, vai aumentar a ansiedade em relação ao sono e consequentemente aumentar o nível de alerta e dificultar o adormecer; quando não adormecermos devemos levantar-nos e sair do quarto fazendo alguma atividade relaxante até ter sono novamente; não deveremos usar ecrãs, como computadores, tablets ou telemóveis próximo das horas de deitar; evitar bebidas estimulantes, durante a tarde e noite; não ver as horas quando temos pequenos despertares noturnos; não ver televisão no quarto, e, por fim, manter o quarto silencioso, escuro e fresco.